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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Café amarelador

Todo dia ela faz tudo sempre igual. Acorda às dez da manhã em ponto, arruma as camas e se troca. Em seguida vai ao banheiro e tenta admirar sua beleza assim que acorda, com os olhos bem inchados, boca seca e cabelos desgrenhados, mas mesmo assim consegue ver dentro de si uma beleza natural que a pouco tempo ela aprendera que é a sua essência: ser natural. Logo depois ela pega sua escova rosa, que é sua cor preferida desde menina, porque lembra que ela é feminina ao extremo e se orgulha disso, então coloca uma pasta de dentes para clarear o sorriso, já que toma café excessivamente, e escova os dentes com muita força, para se sentir limpa de dentro pra fora. Mas nessa limpeza o que ela tem mesmo a intenção de fazer é tirar o gosto dele da boca, porque todas as noites ela sonha com ele a beijando, porque no fundo ela quer que eles fiquem juntos no final, e então ela põe força e escova os dentes ferozmente para tirar o amarelado de café e tristeza que ela sente toda vez que acorda e pensa que não tem mais ele por perto. Às vezes a gengiva sangra, e ela sente que é uma parte dele que vai embora, que a deixa, aos poucos, todo dia.
Na cozinha, depois de tirar o amarelado da boca, ela faz o café e sempre separa a primeira xícara para Santo Antônio, e pede para trazer ele de volta. Percebendo o erro, ela faz um segundo pedido para que ela supere ele, para que ela possa o ver passar tão lindo dentro de sua feiura para o mundo, tão singelo e honesto e vaidoso e irritante e falante, na rua e ela possa sentir seus pés no chão, sua cabeça sobre o pescoço e o coração dentro do peito. Ela sabe que logo mais vai vê-lo passar na rua e sentar-se ao seu lado em um banco qualquer da praça, e ela sabe que vai se sentir nas nuvens, que o coração dela vai bater junto ao dele. Mas ela se disse que nunca mais, e quer que assim seja. Nunca mais amor, nunca mais sexo, nunca mais AMOR! E repete para si mesma todos os dias tomando seu café amarelador de dentes, que nunca mais.

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